Porta fechada para discriminação Constituição garante: não se pode recusar inquilino por etnia, religião, condição social ou orientação sexual
Quando o dono de um imóvel oferece o bem para locação, as exigências que podem ser feitas no contrato são objetivas, como limitar o número de pessoas que vão residir no local ou proibir mudanças na cor das paredes. Critérios como etnia, religião ou orientação sexual do locatário não podem cancelar uma negociação – mas a discriminação acontece, ainda que de forma velada. Que o diga a funcionária pública Ana Claudia de Souza Oliveira.
Há dois anos, Ana Claudia, que trabalha na prefeitura de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, sofreu discriminação mais de uma vez. Nada foi explícito, mas ela sabe que foi recusada como inquilina por ser negra.
Recém-chegada do interior de Minas Gerais, após ser aprovada em concurso público, Ana tentou alugar imóvel direto com proprietários. “Como eu não tinha conhecidos que pudessem ser meus fiadores aqui, comecei a procurar dessa forma”, conta.
Sim e não
Os primeiros contatos eram positivos – por ser funcionária pública e ter a garantia da remuneração mensal, Ana não encontrava resistência por parte dos proprietários de imóveis pelos quais se interessava.
“Enquanto falava por telefone ou e-mail, sempre estava tudo certo. O problema começava quando eu ia visitar os imóveis pessoalmente. Sempre aparecia alguma questão de última hora”, relata.
Em uma das casas, relembra Ana Claudia, a proprietária passou a “informar” que o espaço não era bom, pois não pegava sol, tinha mofo e sofria com assaltos constantes. “Ficou claro que ela quis me fazer desistir do imóvel”, aponta.
Em outra situação, enquanto Ana Claudia visitava o apartamento, o proprietário simplesmente desistiu da locação, sem motivo aparente. “Os contratos não davam certo depois da visita. Houve um caso em que o dono até falou que não era para eu pensar que fosse por causa da minha cor”, lembra.
Residindo há um ano e dez meses em um apartamento no bairro Santa Cândida, em Curitiba, ela diz que não quer ver ninguém passando por isso. “A preocupação do dono do imóvel tem de ser com a conservação do local e pagamento em dia”, aponta.
Ana Claudia já ouviu relatos de pessoas negras que pediram para que outros intermediassem a locação. “Justamente para não passar por esse tipo de situação”, lamenta.
Crime
O caso de Ana Claudia é passível de queixa e processo por danos morais, pois preconceito racial é crime previsto em lei. “O proprietário de um imóvel só pode definir critérios objetivos para a locação”, explica a advogada Ilcemara Farias, especialista em direito imobiliário.
“Já vi casos absurdos, como a de locação sendo negada para mãe solteira ou para casal homossexual. Isso infelizmente acontece, e geralmente é difícil provar que houve preconceito no caso de um processo por danos morais”, diz a advogada.
No entanto, ela indica: quem se sente discriminado pode e deve procurar a Justiça. “Esse tipo de comportamento vai ficando registrado e o reincidente que age com preconceito vai pagar pelo erro.”
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/imoveis/porta-fechada-para-discriminacao-e8e7pug9ona06gwolyn5x2vym