Ilcemara Farias Advocacia

Usucapião de apartamento

Sempre nos perguntam com estranheza se é possível fazer usucapião de apartamento e a resposta é SIM. Claro que é possível, a lei não estipula que a usucapião é apenas de terrenos, mas sim de imóveis.

O Código Civil define: “Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis”.

Os artigos seguintes do Código Civil definem os tipos de usucapião e os prazos de aquisição, que são resumidamente:

  • Usucapião Extraordinário – prazo de 15 anos, reduzido para 10 anos, no caso de moradia, não necessita comprovar a compra.
  • Usucapião Ordinário – prazo de 10 anos, reduzido para 5 anos, no caso de moradia e comprovar a compra.
  • Usucapião Especial Rural – prazo de 5 anos, precisa ser menor do que 50 hectares, servir de moradia e a área precisa ser produtiva.
  • Usucapião Especial Urbana -prazo de 5 anos, precisa ser menor do que 250m², local de moradia, não ser proprietário de outro imóvel.
  • Usucapião por Abandono de Lar – prazo de 2 anos, precisa ser menor do que 250m², local de moradia, não ser proprietário de outro imóvel.
  • Usucapião Coletivo – prazo de 5 anos, precisa ser maior do que 250m², servir de moradia, impossibilidade de individualização dos terrenos ocupados, não serem proprietários de outros imóveis.

E não vamos esquecer do novíssimo Usucapião Extrajudicial, que é feito em cartório e em prazo muito mais rápido do que o Judicial.

Voltando a questão da usucapião de apartamento, essa se aplica, por exemplo, no caso de construtora falida que abandonou o imóvel, onde não há documentação, onde existem credores hipotecários, e todos os demais casos em que não é possível adquirir a documentação correta por falha do vendedor.

É muito comum acontecer e simples de resolver.

Segue abaixo a íntegra da sentença do processo 0014981-15.2007.8.16.0019 da 3a Vara Cível de Ponta Grossa, tratando de um apartamento do Condomínio Residencial Lagoa Dourada, conhecido por ter sido abandonado sem a conclusão das obras pela empresa CIDADELA S/A e empresa VENTURA ADMINISTRAÇÃO e PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS S/A:

Processo: 0014981-15.2007.8.16.0019
Classe Processual: Usucapião
Assunto Principal: Usucapião Extraordinária
Valor da Causa: R$47.789,15
Autor(s): XXX
Réu(s): XXX
VENTURA ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA
Dispensou-se a citação dos confrontantes, porém determinou-se a intimação da síndica (ev. 1.73, 105.1).
O autor apresentou o rol de testemunhas a serem ouvidos na audiência (ev.118.1).
Em audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela parte autora (ev. 121.1).
É o relatório. Passo a decidir.
II – FUNDAMENTOS
Trata-se de ação de usucapião extraordinário onde pretende a parte autora o reconhecimento da aquisição da propriedade pelo decurso do tempo.
Usucapião etimologicamente significa “aquisição pelo uso”; é definido como uma forma de aquisição do domínio pela posse qualificada da coisa, uma vez reenchidos determinados pressupostos legais. Fundamenta-se, portanto, em posse prolongada, que transforma situação de fato em situação de Direito. Segundo Arnaldo Rizzardo, o  reconhecimento judicial da prescrição aquisitiva tem como objetivo “consolidar uma situação de fato, legalizando-se e transmitindo-se para a propriedade” (RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Forense,
2006, pg. 216.
No caso concreto, estamos diante de pretensão de usucapião extraordinária devendo o possuidor do bem, a fim de adquirir a propriedade, demonstrar a posse, sem oposição ou interrupção, com ânimo de dono, por quinze ou por dez anos nos casos estabelecidos na lei, conforme inteligência do art. 1.238 do Código Civil.
“Art. 1.238 – Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único – O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviço de caráter produtivo”.
Assim, os requisitos da usucapião são, segundo o artigo supra citado, o decurso do tempo (15 ou 10 anos) e a posse com “animus domini” exercida de forma mansa, pacífica e ininterrupta.
In casu, infere-se que a parte autora aduz que mantém a posse mansa, pacífica e com animus domini sobre o imóvel discutido há mais de 15 anos. Neste aspecto, tanto os documentos juntados pela autora, quanto a prova oral colhida em audiência, corrobora com os fatos alegados pelo autor (ev. 121.2 e 121.3), senão vejamos:
A primeira testemunha, JPP, afirmou que administra o imóvel da parte autora há 11 anos. Perguntado como o autor adquiriu o imóvel, alegou que foi comprado na planta. Declarou que o imóvel nunca foi reclamado. Por fim, afirmou que antes de ser administrador do imóvel usucapiendo, o autor já residia neste há certa de 7 anos.
A segunda testemunha, JVS, afirmou que o autor adquiriu o imóvel nos anos 90. Perguntado se a parte autora reside no imóvel, declarou: “ele morou uns 8 anos”.
Denota-se, portanto, que as testemunhas confirmaram a posse do autor por mais de 15 anos com ânimo de dono.
Portanto, tendo o autor demonstrado que detém a posse pelo tempo exigido pela lei como se dono fosse, forçoso reconhecer que se encontram preenchidos todos os requisitos para a aquisição da propriedade através da usucapião.
Assim, tendo a parte autora se desincumbido de demonstrar os fatos constitutivos de seu direito, a procedência do pedido é medida que se impõe.
III – DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO, com fulcro no art. 487, inc. I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para declarar o domínio da autora sobre a área descrita na exordial, ressalvados os direitos de terceiros não citados.
Após o trânsito em julgado, expeça-se o mandado necessário ao respectivo Cartório de Registro de Imóveis dessa Comarca.
Custas pela parte autora.
Publicada e registrada no sistema Projudi.
Intimem-se.
Oportunamente, arquivem-se.
Ponta Grossa, 17 de fevereiro de 2019.
Michelle Delezuk
Juíza de Direito

Qualquer dúvida, estamos à disposição.

Ilcemara Farias

OAB/PR 25.854